sexta-feira, 16 de abril de 2010

O regresso dos choques eléctricos

Depois de décadas em que caiu em desuso, a electroconvulsivoterapia, mais conhecida por choques eléctricos, voltou a ser usada para tratar patologias mentais graves e resistentes à medicação. Em Portugal, já é aplicada em várias unidades com toda a segurança.
É difícil esquecer as violentas imagens, tantas vezes repetidas nos filmes americanos, de doentes psiquiátricos a quem eram infligidos electrochoques. O preconceito enraizou-se, até na classe médica, e só na última década é que esta terapêutica voltou a ser aplicada no nosso país.
"Actualmente, a técnica é usada com recurso a anestesia geral, relaxantes musculares, para evitar os espasmos, e com todos os meios de reanimação", explica António Gamito, director do Departamento de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Setúbal e organizador do 2.º Encontro Nacional de Electroconvulsivoterapia, que hoje se realiza em Sesimbra.
As sessões decorrem em bloco operatório e são seguidas de um curto período de recobro, findo o qual uma pessoa jovem e sem complicações médicas pode voltar à sua rotina, de acordo com o especialista, que enfatiza as condições de segurança de todo o processo e a necessidade de consentimento, por escrito, do doente.
Mais eficaz do que fármacos
O que a electroconvulsivoterapia provoca é uma convulsão, através de meios eléctricos, que se traduz em algo semelhante a um ataque epiléptico. António Gamito explica que, embora se desconheçam ao certo os mecanismos, há vasta prova da sua eficácia no tratamento de depressões graves e perturbações bipolares que não respondem à medicação, bem como de surtos psicóticos transitórios, para mais rápido controlo de alucinações e delírios.
Trata-se, porém, de uma terapêutica de última linha para casos bem seleccionados, já que tem indicações muito precisas e exige meios dispendiosos. O director de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Setúbal, que se interessa há dez anos por esta terapia, realça que há portadores de certas perturbações que são altamente resistentes aos psicofármacos.
Nesta situação, encontram-se principalmente pessoas com perturbações do humor, ou seja, depressão ou doença bipolar. As depressões endógenas (com forte componente genética) tendem a ser crónicas e a não responder eficazmente à medicação. Com um tratamento de quatro a seis electrochoques, é possível remitir significativamente a sintomatologia, sublinha o psiquiatra, que adverte, porém, para a possibilidade de recaídas e da necessidade de sessões de manutenção.
Como qualquer tratamento, a electroconvulsivoterapia tem contra-indicações, como história de problemas cardíacos, por exemplo, e acarreta os riscos de uma anestesia geral. "As desvantagens são quase inexistentes, desde que aplicada a doentes bem estudados, em instalações adequadas e por técnicos experientes", garante António Gamito.

HELENA NORTE


Fonte: JN, de 16/4/2010

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