domingo, 4 de abril de 2010

Um quarto dos portugueses não crê na vida eterna

Entre eles estão 10% de  católicos que vão  à missa com regularidade.
Cerca de 25% dos portugueses não acreditam na vida para além da morte. E destes 10%, ou seja 250 mil, são católicos praticantes. Esta é a conclusão do inquérito de uma socióloga da Universidade do Porto que ajuda a explicar porque é que a principal festa cristã, a Ressurreição de Cristo, não tem hoje impacto social.
Quase 90% dos portugueses afirmaram-se católicos no censo de 2001. Mas nem todos acreditam nos pilares essenciais da fé cristã. Segundo o estudo, um quarto dos portugueses pensa que com a morte tudo acaba, recusando-se, assim, a admitir a existência da vida eterna, uma crença que os cristãos sustentam na Páscoa, que hoje se celebra.
Entre os descrentes estão mesmo 10% de católicos que vão regularmente à missa. E ainda 26 % dos que o fazem ocasionalmente. "Na perspectiva cristã isto não tem coerência mas do ponto de vista sociológico tem. Vivemos um tempo de religião autoconstruída, onde domina o sincretismo e há uma religiosidade difusa, muito centrada no indivíduo", disse Helena Vilaça ao DN.
A socióloga diz que há pessoas que praticam a religião por tradição, até se identificam com a moral e a ética, mas não têm a fé sustentada nas raízes cristãs. "É o preço que se paga nos países em que houve uma relação forte entre a identidade nacional e a religiosa", adianta. Mas o fenómeno não é português. Em França, a falta de fé na ressurreição afecta 40% dos fiéis. No futuro, perspectiva, os cristãos tenderão a ser cada vez menos, mas mais convictos na fé.
Joaquim Costa, sociólogo da Universidade do Minho, diz que neste contexto não é surpreendente que o tempo pascal passe despercebido. "Uma certa faceta da secularização torna estes factos quase inevitáveis", diz. "As pessoas mantêm-se crentes mas a sociedade é ateia nos seus princípios de funcionamento. Gera-se um caldo cultural que privatiza a crença e, por isso, ela parece desaparecer da vida pública, mesmo que persista fervorosa nos templos e casas."
Recuperação das tradições
O sociólogo das religiões fala, contudo, em "reacções recentes que procuram inverter este processo e dar testemunho público de fé". Como, por exemplo, a colocação de estandartes festivos nas janelas, uma iniciativa que começou no Natal, se repetiu agora, e teve milhares de aderentes (texto ao lado).
Hugo Santos, capelão da Universidade Católica de Lisboa, também reconhece que a importância da Páscoa já não se reflecte na vida prática de muitos cristãos. "Perdeu a expressão central que tinha na vida dos fiéis", afirma. Para o sacerdote, o recuo da influência da dimensão social e cultural tem um efeito: "As pessoas fazem desta caminhada uma expressão mais íntima e pessoal."
A prova disso, diz, está nas famílias católicas mais novas, que já não assistiram à dimensão cultural e social da Páscoa, mas estão a recuperar as tradições. "E, quando se recupera, recupera-se na verdade", acrescenta, dando o exemplo de novos tipos de penitências, renúncias e orações na Quaresma.
"Não beber café, abster-se da sobremesa ou fumar menos são opções que custam. Mas a ideia é que a pessoa se dê conta deste impulso e o ordene segundo a sua necessidade." Entre os exercícios de domínio da vontade estão ainda hábitos como ver televisão ou julgar o outro. Hugo Santos explica que, com isto, se pretende centrar o crente na relação com Deus e os irmãos, reforçando a oração, e partilhando com os que menos têm o resultado da sua renúncia.
As indicações de jejum, esmola e abstinência têm fundamento bíblico, explica o padre, e fazem parte da preparação para a Páscoa. Abdicar da carne à sexta-feira é ajudar a criar um espaço de reflexão interior, diz. "A carne é associada à energia, dispõe para o trabalho. Sem ela, o crente sente mais a fragilidade de Cristo".

 por RITA CARVALHO


Fonte: Diário de Notícias, de 4/4/2010

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