quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Autoconhecimento

...e sua importância na Doutrinação

(Trabalho elaborado por aluno do 2º Curso sobre Doutrina Espírita - Nível 1)

Desde a antiguidade até aos nossos dias que muitos companheiros de reconhecido valor espiritual nos apontam o autoconhecimento como meio primordial de crescimento e progresso individual. Neste trabalho pretendo resumir um pouco do muito que já foi dito sobre o autoconhecimento e a sua relevância no diálogo mantido na doutrinação das almas em sofrimento.

No Livro dos Espiritos na questão 919, Allann Kardec fez a seguinte pergunta :

"Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atracção do mal?"

A resposta que obteve, mostrou claramente que longe de ser original, já anteriormente havia sido transmitida ao homem :

"Um sábio da Antiguidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo”; e a forma de consegui-lo é nos sugerida por Santo Agostinho ainda respondendo a Kardec :

“Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma." (Santo Agostinho, LE Q.919)

Também Emmanuel nos fala da necessidade do auto-conhecimento. No livro Renúncia, apresenta-nos Padre Damiano, uma de suas encarnações passadas, e este fala-nos da importância de cultivar o hábito de rever no fim do dia as nossas atitudes de forma a melhor identificar as nossas falhas e fraquezas. Quando questionado por uma sua amiga que se encontrava em descrença, sobre como adquirir fé e paz intima, Padre Damiano respondeu-lhe assim :

"Não poderemos criar os valores da fé, enquanto nos sobeje a inquietação, e acredito que nossas relações com a Divindade devem ser as mais simples possíveis. Quanto a mim," - disse Padre Damiano, "considero que cada dia é uma oportunidade renovada para o labor de nossa redenção. Resumo as minhas preces à vigília da manhã, na qual procuro a inspiração do Evangelho ou dos livros que nos suscitam desejos de perfeita união com o Cristo, e ao louvor da noite, quando busco examinar os ensejos de serviço ou testemunhos que o Senhor me facultou".

Ao perceber que não fora plenamente compreendido reformulou a sua resposta :
"Toda a leitura edificante derivou da Providência por intermédio dos seus mensageiros, em nosso socorro; com as suas advertências e conceitos, sábios e preciosos, faço a vigília matinal e à noite rendo graças ao Pai, em consciência, pelos favores que me foram dispensados. Na vigília, estabeleço propósitos redentores; e no exame da noite julgo-me a mim mesmo, para verificar onde se cristalizaram minhas maiores fraquezas, a fim de emendá-las no dia imediato. O mundo, a meus olhos, é uma vasta oficina, onde poderemos consertar muita coisa, mas reconhecendo que os primeiros reparos são intrínsecos a nós mesmos". (Renúncia, Cap. 6 – Novos rumos)

Também noutra linha espiritual, mais concretamente os Rosacruzes, o autoconhecimento é considerado a chave para a “paz do indivíduo” e ponto de partida para o bem-estar da humanidade. Defendem que através do autoconhecimento poderemos evitar o purgatório, local onde, segundo os mesmos, se faz a purificação da alma.

No livro "Conceito Rosacruz do Cosmo" no capitulo III com o titulo "O Homem e o Método da Evolução" consta o seguinte :

"Há um benefício inestimável em conhecer o método e o objectivo da purificação, pois assim poderemos nos antecipar e começar a viver nosso purgatório aqui e agora, dia a dia, avançando muito mais depressa dessa maneira […] Consiste em recordarmos os acontecimentos do dia ao nos recolhermos à noite. Contempla-se então os acontecimentos do dia em ordem inversa, fixando-os especialmente em seu aspecto moral, e considerando onde e quando se agiu com rectidão ou erroneamente em cada caso particular por pensamentos, actos e hábitos. Julgando-nos assim dia após dia, esforçando-nos por corrigir erros e más acções, podemos praticamente diminuir, talvez até suprimir, a necessidade do purgatório, capacitando-nos passar directamente ao primeiro céu depois da morte. Se dessa maneira sobrepomo-nos conscientemente às nossas debilidades, estamos também conseguindo um avanço material na escola da evolução. Ainda que fracassemos em corrigir nossas acções, fica-nos um enorme benefício em nos julgarmos. Esse auto-julgamento gera aspirações para o bem, que no devido tempo frutificar-se-ão seguramente em acções rectas." (Conceito Rosacruz do Cosmos, Capitulo III - O Homem e o Método da Evolução)

Retiro deste texto que podemos optar por exercitar o autoconhecimento de uma forma consciente e gradual, diariamente, ou então, aguardar pelo desencarne para vislumbrarmos todos os acontecimentos, da vida que agora abandonamos, desfilarem ante a nossa visão, como um panorama, onde tudo é revisto. Se cultivarmos o hábito de reflectirmos sobre nós próprios, para além do crescimento espiritual, poderemos atenuar o impacto que esse panorama terá sobre nós.

O autoconhecimento é essencial no processo de doutrinação. No livro "Diálogo com as sombras", Hermínio Miranda, fala-nos da necessidade de nos conhecermos a nós próprios e salienta que durante uma doutrinação podemos falar em perdão, esquecimento de falhas como ciúme e egoísmo, mas se não conhecermos em nós esses sentimentos as nossas palavras não transmitirão a força necessária a quem dela necessita. O exercício do autoconhecimento permite identificar em nós tais sentimentos e revela-nos verdades sobre nós próprios que ignoramos.

Se não conhecermos sem subterfúgios, sentimentos como ódio, egoísmo e paixão de toda a espécie entendendo-os com nossa mente e coração, como compreender e ajudar quem se encontra totalmente envolvido e absorvido em tais emoções? Palavras como perdoar têm de estar sustentadas pelo conhecimento de quem as conhece e pratica. Apenas assim a palavra transportará o seu verdadeiro poder.

No texo seguinte retirado do livro "Diálogo com as sombras", Hermínio Miranda, mostra-nos a sua visão da importância de nos conhecermos a nós mesmos, e diz assim :

"Estacionamos precisamente porque nos falta coragem para enfrentar o olhar severo da própria consciência. É verdade, estamos envergonhados, temerosos e angustiados, mas por que demorar-nos no arrependimento, cruzarmos os braços e esconder-nos, como um caramujo, dentro da carapaça das ilusões? O arrependimento somente se dissolve no trabalho construtivo. Incontáveis multidões, no entanto, tentam fugir de si mesmas, ignorando seus próprios fantasmas interiores. A culpa existe em nós; impossível negá-lo, pois o erro já está cometido mesmo. O que temos de fazer, agora, não é fingir que ela não existe, porque é justamente esse fingimento, essa fuga, que nos mantém presos, detidos, marcando passo, vendo a multidão passar por nós, em busca da paz.
Esse mecanismo tem que ser bem compreendido por aquele que se propõe ajudar espíritos endividados. É claro que também somos endividados, talvez tanto quanto eles, ou até mais. Precisamos, no entanto, mostrar-lhes que estamos fazendo alguma coisa, lutando, enfrentando os nossos espectros interiores, as censuras da consciência, as cutiladas do remorso, conscientes de que o nosso erro está presente em nós, e não podemos voltar sobre nossos passos, para desfazê-lo. Podemos, no entanto, e devemos, e temos que reconhecer, a força da sua presença em nós. Sem essa abertura corajosa, não dá sequer para começar. E, como diz o provérbio chinês: a caminhada de 100 quilómetros começa com o primeiro passo".

E acrescenta ainda, relativamente à postura humilde, que temos de adoptar :

"Você [o doutrinador] não está ali para provar que é mais inteligente do que ele, nem mais culto, ou eticamente melhor do que ele: está ali para ajudá-lo, compreendê-lo e servi-lo. Não há razão alguma para pensar que você é um Espírito redimido, e ele um réprobo enredado nos seus crimes. As leis morais, o Evangelho do Cristo e a prática espírita nos repetem, de mil formas, a mesma lição: a de que são os próprios pecadores que se ajudam mutuamente: o coxo servindo ao cego, o cego ao mudo e, sobre todos nós, a infinita misericórdia de Deus, a sabedoria ilimitada do Cristo e a assistência incansável de nossos irmãos mais experimentados, que se alongaram mais profundamente no caminho da luz. "

Opinião e Experiência Pessoal


Proponho-me agora a apresentar a minha experiência pessoal prática no exercício do autoconhecimento. É um exercício diário constante, fortemente impulsionado pelas relações pessoais que a vida em sociedade nos proporciona. É através dessa interacção, mais fácil com umas pessoas e mais difícil com outras, que nascem em nós todo o tipo de emoções que devem ser analisadas.

Quando sou confrontado com alguma situação ou pessoa que me provoca alteração no equilíbrio, como irritação, preocupação, antipatia ou mesmo simpatia anoto mentalmente para mais tarde analisar essa minha reacção. No fim do dia faço o possível para reviver o mais fielmente possível a situação.

Através deste exercício encontrei muitas vezes sentimentos que pensava já não existirem em mim. Muitas vezes o egoísmo e o ciúme mascaram-se de formas muito subtis e desviam de nós a culpa ou o motivo de tais emoções. É necessário olhar com muita atenção, sem paixão de espécie alguma até toda a trama se dissolver e podermos encarar de facto aquilo que ainda somos, ou melhor, que sentimos. Pode ser feito como uma espécie de contemplação onde libertos de qualquer preconceito apenas observamos, deixamos a mente tranquila e esperamos.

Respiro calmamente, tomo consciência do meu corpo e normalmente sinto uma energia que se acumula especialmente no peito mas que se espalha por todo o corpo. Nesse estado de concentração penso na pessoa por quem sinto algum atrito ou aversão. Imagino apenas a sua energia, sem os maneirismos ou as atitudes que me incomodam. Sinto a sua presença junto de mim, dou-lhe as mãos, ou abraço-a até me sentir uno com ela. Sinto a sua verdadeira essência, ou seja, tudo aquilo que está por baixo de todas as máscaras e muralhas que erguemos á nossa volta. Ao fazer isso geralmente sinto as suas dores, os seus motivos, vejo as vicissitudes de sua vida e percebo quanto injusto fui. Quanto superficial é na maior parte das vezes minha observação e meu julgamento. Ao compreender e colocar-me no seu lugar apercebo-me quão facilmente poderia eu também seguir-lhe os passos e cair nos mesmos erros.

Quando estou imerso neste estado de alma é-me mais fácil compreender as minhas reacções e apercebo-me que muitas delas são gerados por medo ou carência.

Pessoalmente posso dizer-vos que na maior parte das vezes é um exercício que me preenche e tranquiliza. Outras vezes, mais raras, não consigo ultrapassar a emoção que senti e que tento perceber. Mas o mais difícil, para mim, é conseguir a disciplina necessária ao exercício diário. Muitas vezes no fim do dia, não consigo encontrar em mim a energia para me dedicar a essa tarefa.
Mas sempre que o fiz experimentei resultados e aliviei em mim alguns sentimentos menos bons em relação a pessoas e situações. Contudo, não basta uma vez, por vezes a emoção volta e é necessário repetir o processo. Talvez por não ter ido fundo o suficiente ou não ter alcançado a verdadeira natureza da emoção.

Existem diversos obstáculos que nos afastam do verdadeiro conhecimento de nós próprios, sendo o Orgulho um dos principais. É difícil aceitar-nos como realmente somos, mas temos de aprender, aos poucos, a enfrentar a diferença entre aquilo que pensamos que somos ou queremos ser, e aquilo que uma auto-analise cuidada e sincera nos revela.
Esta analise requer muita honestidade para avaliarmos nossos verdadeiros propósitos. É essencial fazê-lo de forma desapaixonada.

E para terminar, aconselha-nos sobre isso mesmo Santo Agostinho :

“Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas acções, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não a poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça"
(Santo Agostinho em Livro dos Espiritos, Parte III Cap.12 – Da perfeição Moral)

Bibliografia :
Livro dos Espiritos (Questão 919; 919(a); Parte III Cap.12 – Da perfeição Moral)
Renúncia (Cap. 6 – Novos rumos)
Conceito Rosacruz do Cosmo (Capitulo III - O Homem e o Método da Evolução)

Texto lido e debatido em reunião da AELA, na 3ª feira, 28 de Setembro de 2010

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