quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A CONSCIÊNCIA DA MORTE

Texto transcrito do livro, "Educação para a morte", de José Herculano Pires

Todos sabemos que morremos, que a morte é inevitável, mas estamos tão apegados à vida e fazemos uma ideia tão negativa e temerosa da morte, que a rejeitamos em nossa consciência e a transformamos num mito, afastando-a para o fim dos tempos. Mito assustador, ela permanece na distância, envolta em névoas, de maneira que só a vemos como figura trágica de um conto de terror. Heideggard [Martin Heidegger 1889-1976, filósofo alemão] observou que só a aceitamos para os outros, como na expressão aleatória morre-se, que nunca se refere a nós. Fascinados pelo fluxo incessante da vida, mergulhados no torvelinho de nossas preocupações do dia-a-dia, temos a sensação inconsciente e agradável de que ela sempre se distancia de nós. Mesmo quando, conscientemente, pensamos na morte, o fazemos com a ilusão de que ela não chegará tão cedo, pois temos ainda muita coisa a fazer e sentimos que a vida borbulha em torno de nós sem permitir a entrada da morte em nosso meio. Essa é uma forma ingénua de protelarmos a nossa morte, segundo as exigências do instinto de conservação. Assim aliviamos o medo da morte, confiantes no poder da vida.
De nada valem essas pequenas trapaças. A morte chega quando menos a esperamos e não raro nos leva para a outra vida sem nos dar tempo para compreender o que acontece. As pesquisas psíquicas, através de mais de dois séculos, mostram o curioso espectáculo de muitas criaturas mortas que não sabem que morreram. Continuam vivas na matéria por conta de suas próprias ilusões e passam a assombrar sem querer e sem o saber os lugares em que viviam ou frequentavam. É claro que permanecem desajustadas no mundo espiritual.
Para evitar esses e outros inconvenientes, devemos desenvolver em nós a consciência da morte. Sabendo, positivamente, que a morte existe e é inevitável, sendo inútil qualquer ilusão nesse sentido, que só poderá prejudicar-nos. Temos de nos familiarizar com a morte, considerando-a com naturalidade, não a transformando em tragédia ou em espectáculos inúteis de desespero. Nas sessões espíritas, cuida-se muito desses casos, procurando-se despertar os mortos de suas confusões produzidas pelo apego à Terra e integrá-los na nova forma de vida para a qual passaram. Eles não são tratados como almas do outro mundo, mas como companheiros da vida terrena que se libertaram do condicionamento animal por retomarem ao seu mundo de origem, que é o espiritual. Os adversários da doutrina criticam esse processo mediúnico, alegando que criaturas ainda encarnadas nada têm para ensinar às que já se livraram do corpo material. Mas, desde as pesquisas de Kardec até aos nossos dias, o processo de doutrinação tem dado os melhores resultados, tanto em favor de espíritos perturbados pela passagem súbita ao plano espiritual, quanto no esclarecimento de pessoas que sofrem as influências dessas entidades. Isso se explica por duas razões fundamentais, que são as seguintes:

1. A doutrinação é a transmissão de ensinos dos desencarnados superiores dados a Kardec, através da mediunidade, para a renovação moral e espiritual da Humanidade. Apoiados no conhecimento desses ensinos é que os médiuns e os doutrinadores atendem às entidades desencarnadas.
2. As pesquisas de cientistas eminentes como Richet, Crookes, Zôllner, no século passado, e Geley, Osty, Crawford, Soai, Carington, Pratt, Price, na actualidade, provaram que nos ambientes mediúnicos, a emanação do ectoplasma ampara os espíritos desencarnados e inseguros no plano espiritual, dando-lhes a sensação de segurança física necessária para conversarem com os doutrinadores como se estivessem encarnados. A situação dos espíritos recém-desencarnados, no plano espiritual, não lhes permite a lucidez necessária para compreender facilmente os ensinos que recebem das pessoas que dirigem o trabalho mediúnico.

Esse intercâmbio processa-se em benefício dos espíritos e dos homens, sem nenhum sistema de evocações e rituais. Os espíritos manifestam-se por sua livre vontade, desejosos de comunicar-se, após a morte do corpo físico, com familiares e amigos que deixaram na vida terrena. Essas manifestações naturais marcam toda a História da Humanidade, em todo o mundo e em todos os campos, sem nenhuma interrupção. Não são descobertas modernas nem invenções de qualquer investigador, figuram nos livros sagrados de todas as religiões, na cultura de todos os povos e nas grandes obras literárias, filosóficas e científicas das grandes civilizações. […]

A morte é um fenómeno natural, de natureza biológica, no qual se verifica o esgotamento da vitalidade nos seres pela velhice ou por acidentes fisiológicos. Não atinge a essência do ser, que é sempre de natureza espiritual, referindo-se apenas ao corpo material, o que vale dizer que ela não existe como extinção das formas de ser das plantas, dos animais e dos homens. […]

A necessidade de uma tomada universal de consciência sobre o sentido, o significado e o valor da morte tornou-se imperiosa. É simplesmente inadmissível, neste século, qualquer doutrina que pretenda sustentar por simples argumentos que a morte é o fim e a frustração total dos seres vivos e especialmente da criatura humana. O panorama científico actual exige de todos nós o desenvolvimento da consciência da morte, cuja fatalidade inegável se explica pela necessidade de renovação das estruturas da vida em todos os planos da Natureza. Em consequência, a presença de Deus, como Consciência Suprema que rege toda a realidade - numa estrutura lógica, teleológica e anti teológica -, firma-se como o imperativo categórico da compreensão do mundo, do homem e da vida. […]

Sem uma tomada de consciência do sentido e do valor da morte, estaremos arriscados a continuar indefinidamente no círculo vicioso das vidas repetitivas e sem sentido. A vida só tem sentido quando serve de preparação para vidas melhores. O destino não é viver como fera, mas viver para se transcender, numa escalada do Infinito em busca das constelações superiores. Os segredos da morte nos são agora racionalmente acessíveis para podermos aprender a perder a nossa vida para reencontrar o Cristo.

Texto lido e debatido em reunião da AELA, na 3ª Feira 14 de Setembro de 2010

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