sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O ESPIRITISMO E A DIVERSIDADE DE OPINIÕES

Rodrigo Luz



O Codificador do Espiritismo, reunindo sensatez e clareza de raciocínio, afirmou com perfeito entendimento da natureza humana e sua diversidade de opiniões:
"[...] Uma reunião [espírita] não pode ser estável, nem séria, se não há simpatia entre os que a compõem; e não pode haver simpatia entre pessoas que têm idéias divergentes e que fazem oposição surda, quando não aberta. Longe de nós dizermos com isso que se deva abafar a discussão; ao contrário, recomendamos o exame escrupuloso de todas as comunicações e de todos os fenômenos. Fique, pois, bem entendido, que cada um pode e deve externar a sua opinião; mas há pessoas que discutem para impor a sua, e não para se esclarecer. É contra o espírito de oposição sistemático que nos levantamos; contra as idéias preconcebidas, que não cedem nem mesmo perante a evidência. Tais pessoas incontestavelmente são uma causa de perturbação, que é preciso evitar. A este respeito, as reuniões espíritas estão em condições excepcionais. O que elas requerem acima de tudo é o recolhimento. Ora, como estar recolhido se, a cada momento, somos distraídos por uma polêmica acrimoniosa? Se, entre os assistentes, reina um sentimento de azedume e quando sentimos à nossa volta seres que sabemos hostis e em cuja fisionomia se lê o sarcasmo e o desdém por tudo quanto não concorde inteiramente com eles?". [KARDEC, Allan. A Revista Espírita. Dezembro de 1861. Organização do Espiritismo. Item 8.]
Allan Kardec, espírito austero e dedicado, reconhece que não há como haver simpatia entre pessoas que têm idéias divergentes e cuja oposição surda ou aberta dá espaço à falta de urbanidade e de civilidade. Geralmente estas fecham seus ouvidos às opiniões contrárias, e negam a priori qualquer forma de pensar que não seja a sua.

O Codificador afirmou, anos antes, na mesma Revista Espírita:
"[...]Nossa Revista será uma tribuna na qual a discussão jamais deverá afastar-se das normas das mais estritas conveniências. Numa palavra, discutiremos, mas não disputaremos. As inconveniências de linguagem jamais foram boas razões aos olhos da gente sensata [...]. [Revista Espírita. Janeiro de 1858. Introdução.]
E também atestou, no mesmo periódico, onze meses mais tarde:
[...] jamais daremos satisfação aos amantes de escândalos. Entretanto, há polêmica e polêmica. Há uma ante a qual jamais recuaremos — é a discussão séria dos princípios que professamos. [...] É isto o que chamamos polêmica útil, pois o será sempre que ocorrer entre gente séria, que se respeita bastante para não perder as conveniências. Podemos pensar de modo diverso sem diminuirmos a estima recíproca. [Revista Espírita. Novembro de 1858. Polêmica Espírita.]
Evidente que há meios de se estabelecer uma discussão, através da polêmica útil, sem perdermos a urbanidade e o espírito de recíproca benevolência; eis o que nos fala a consciência: basta que voltemos nossas vistas para a seriedade de nossos propósitos, sem perdermos os limites da conveniência.

Mas será que a Doutrina, por expor como um dos seus princípios a liberdade de consciência, está sujeita às mais diversas deformações, negando sua rigorosa metodologia de aferição das informações espirituais, a título de respeitar esta ou aquela corrente do pensamento? Quem responde é o próprio Kardec:
“Somos muito absoluto em nossas idéias? Somos um cabeça-dura com quem nada se pode fazer? Pois bem! Ah! Meu Deus! Cada um tem os seus pequenos defeitos; nós temos o de não pensar ora branco, ora preto; temos uma linha traçada e dela não nos desviamos para agradar a ninguém. É provável que sejamos assim até o fim. Falar dessas opiniões divergentes que, em definitivo, se reduzem a algumas individualidades, e em parte alguma fazem corpo não será talvez, perguntarão algumas pessoas, ligar a isto muita importância, amedrontar os adeptos fazendo-os crer em cisões mais profundas do que realmente o são? Não é, também, fornecer armas aos inimigos do Espiritismo? É precisamente para prevenir esses inconvenientes que disto falamos. Uma explicação clara e categórica, que reduz a questão ao seu justo valor, é bem mais própria a assegurar do que a espantar os adeptos. Eles sabem a que se ater e aí encontram ocasião dos argumentos para a réplica." [Revista Espírita. Abril de 1866. O Espiritismo Independente.]
Existem aqueles que pensam que respeitar a forma de pensar e as convicções dos outros é também adotar seus princípios. Ao contrário, da mesma maneira que o Espiritismo convoca os homens ao espírito de benevolência e compreensão pelos que não pensam como ele, até mesmo pelos que o perseguem e calunie, ele toma para si o direito de organizar os pensamentos que fazem parte do seu conteúdo doutrinário, e repudiar aquilo que lhe convém, segundo o seu próprio critério de rigorosa análise crítica.
Essas opiniões divergentes, das quais fala Kardec, são as mais das vezes formadas pelo sectarismo mediunista vigente no meio espírita. Em termos verdadeiramente espiríticos, não há médiuns infalíveis; é justamente por isso que toda comunicação mediúnica deve ser aferida pelos processos metodológicos estipulados em O Livro dos Médiuns, livro que reúne a metodologia de análise crítica dos informes de ordem espiritual.
E define o mestre de Lyon, agora já no fim da sua romagem física:
"Para assegurar-se, no futuro, a unidade, uma condição se faz indispensável: que todas as partes do conjunto da Doutrina sejam determinadas com precisão e clareza, sem que coisa alguma fique imprecisa. Para isso, procedemos de maneira que os nossos escritos não se prestem a interpretações contraditórias e cuidaremos de que assim aconteça sempre. [...] seitas poderão formar-se ao lado da Doutrina, seitas que não lhe adotem os princípios ou todos os princípios, porém não dentro da Doutrina, por efeito de interpretação dos textos. [...] Criamos a palavra Espiritismo, para atender às necessidades da causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita. [...] Se a constituição tem por efeito diminuir momentaneamente o número aparente dos espíritas, terá, por outro lado, como conseqüência, dar mais força aos que caminharem de comum acordo para a realização do grande objetivo humanitário que o Espiritismo há de alcançar. Eles se conhecerão e se estenderão mutuamente as mãos, de um extremo a outro do mundo." [Obras Póstumas. Segunda Parte. Constituição do Espiritismo, itens II e X. Grifo Nosso.]
Portanto, o Espiritismo não abriga qualquer tipo de pluralismo filosófico ou conceitual. A Doutrina somente admite como verdade inegociável as idéias que foram demonstradas pela lógica, corroboradas pela razão e verificadas pelo seu método de aferição; com a mesma força, repele todas as estranhezas que desejam tomar o seu corpo doutrinário e reduzi-lo às cinzas. Todos os espíritas conscientes do papel de sua Doutrina devem, pois, denunciar todos os abusos referentes às investidas exóticas feitas contra o Espiritismo, por espíritas ou não espíritas; se o procedimento dos seus próprios adeptos não for desta maneira, o prejuízo será para a própria propagação do Espiritismo, doutrina prometida pelo Cristo - Jesus para regenerar os homens e elevar a Terra na hierarquia dos mundos.

Sem comentários:

Enviar um comentário

TÍTULOS EM DESTAQUE